No dia 17 de janeiro de 2020 completam-se 25 anos sobre a morte do escritor Miguel Torga.
O Município de Sabrosa, através do Espaço Miguel Torga, vai evocar a vida e obra do escritor que é, para muitos, não apenas o mais representativo dos escritores transmontanos e durienses, mas também uma figura de referência da cultura e da vida cívica portuguesas do século XX.
Assim, o Espaço Miguel Torga leva a efeito, ao longo do ano, um conjunto de ações que visam assinalar a importância da obra e do exemplo de Miguel Torga, um vulto maior da literatura portuguesa, sempre iluminado pela esperança no Homem.
A Bibliorodo também relembra a obra de Miguel Torga (1907-1995) apresentando os últimos poemas publicados pelo escritor que ganharam uma dimensão sobre-humana nas reflexões poéticas com a vida em fundo e o fim que se avizinha. São poemas de despedida de quem ao partir conserva a dignidade que distingue os homens e os faz merecedores de terem vivido.
Solidão
Pouco a pouco, vamos ficando sós,
Esquecidos ou lembrados
Como nomes de ruas secundárias
Que a custo recordamos
Para subscritar
A urgência de um beijo epistolar
Ainda inutilmente apetecido.
Mortos sem ter morrido,
Lúcidos defuntos,
Vemos a vida pertencer aos outros.
E descobrimos, na maneira deles,
Que nada somos
Para além do seu dissimulado
Enfado
Paciente.
E que lá fora, diariamente,
Conforme arde no céu,
O sol aquece
Ou arrefece
Os versáteis e alheios sentimentos.
E que fomos riscados
No rol da humanidade
A que já não pertencemos
De maneira nenhuma.
E que tudo o que em nós era claridade
Se transformou em bruma.Coimbra 20 de Julho de 1992
Termo
Pára, imaginação!
Não há mais aventura, nem poesia.
A hora é de finados,
Com versos apagados
Na lareira onde a fogueira ardia.Pára, é a lei.
Agora é só cansaço desiludido
E memória teimosa que entristece
O nada que acontece
E o muito acontecido.Pára, porque findou
O tempo intemporal
Do amor e da graça concedida
A quem nele, no seu barro original,
Modela a própria vida.Coimbra, 3 de Novembro de 1993
Requiem por Mim
Aproxima-se o fim.
E tenho pena de acabar assim,
Em vez de natureza consumada,
Ruína humana.
Inválido do corpo
E tolhido da alma.
Morto em todos os órgãos e sentidos.
Longo foi o caminho e desmedidos
Os sonhos que dele tive.
Mas ninguém vive
Contra as leis do destino.
E o destino não quis
Que eu me cumprisse como porfiei,
E caísse de pé, num desafio.
Rio feliz a ir de encontro ao mar
Desaguar,
E, em largo oceano, eternizar
O seu esplendor torrencial de rio.Coimbra, 10 de Dezembro de 1993
Este foi o último poema publicado por Miguel Torga.